Um Caminho para Niterói a propósito dos 100 anos de Niemeyer
Daqui a 100 anos lembraremos que Niterói construiu o Caminho Niemeyer. Daqui a 100 anos, lembraremos tudo que um dos últimos mestres da Arquitetura Moderna realizou e ainda realiza. Daqui a 100 anos, o aquecimento global terá alcançado níveis que farão os mares subirem? Daqui a 100 anos precisaremos de arqueólogos especializados nas cidades pós-modernas? É difícil pensar nos possíveis caminhos para Niterói. Mas não é pelo menos sensato escolhermos nosso caminho?
Daqui a 100 anos lembraremos que Niterói construiu o Caminho Niemeyer. Daqui a 100 anos, lembraremos tudo que um dos últimos mestres da Arquitetura Moderna realizou e ainda realiza. Daqui a 100 anos, o aquecimento global terá alcançado níveis que farão os mares subirem? Daqui a 100 anos precisaremos de arqueólogos especializados nas cidades pós-modernas? É difícil pensar nos possíveis caminhos para Niterói. Mas não é pelo menos sensato escolhermos nosso caminho?
Arqueologuemos, então. Niterói significa, em tupi, águas escondidas. É... os nomes às vezes podem nos conduzir para caminhos nunca navegados e, como diria o poeta, “navegar é preciso”. De certa forma, vamos navegar de qualquer jeito. Ironias à parte, o que nos falta é nosso significado, não nosso significante.
Daqui a alguns anos como estaremos? É... não dá pra afirmar, vamos só especular. Na avenida Roberto Silveira não passarão mais carros. A estrada Francisco da Cruz Nunes ficará engarrafada do Largo da Batalha até o ponto final do 46, em Várzea das Moças, por causa do trânsito de Maricá. Itacoatiara estará cercada de condomínios e seu acesso, limitado pela guarda municipal. Ah... Pendotiba não respirará mais o ar fresco da manhã, nem terá mais uma temperatura amena. A propósito, teremos o IPSA (Imposto Provisório Sobre o Ar). Não faremos mais distinção entre Fonseca, Barreto e São Gonçalo. Cubango, que significa barreira, não terá mais função. Qualquer chuva, em qualquer lugar, significará inundação. Nossas favelas não se resumirão ao nosso município, serão internacionais. Exportaremos pobres em embarcações especializadas parecidas com contêineres.
Pois é! Em 434 anos evoluímos para essa possibilidade de futuro. Nós somos isso! É nossa responsabilidade e, sendo assim, não importa que Araribóia tenha traído os índios em favor dos portugueses. O que importa é que esse é o mito fundador das águas escondidas e, mais, que “arari” significa tempestade.
Foi ouvindo a letra de um funk: “Ih, choveu! Cabelo encolheu todinho...”, que percebi que esse “I”, além de significar “água”, possui entonação que lhe atribui uma expectativa pela água que vai cair do céu. Logo, me parece correto não perder a “chapinha” e se esconder. Meu chapa, é disso que estamos falando: previsão, prevenção, planejamento... De uma forma ou de outra, a chuva virá e as conchas das colinas - os sambaquis - devem ser protegidos. Não estaremos protegendo só os índios, mas a nós mesmos, como a menina do funk que quer ter o direito de se achar mais bonita e como as nossas favelas, que não querem ser senzalas, querem ser quilombos.
Por que insistir nos mesmos erros? Por que reinventamos a roda? Pois mudanças no trânsito sobre as mesmas bases não são mudanças. Ao mesmo tempo que proíbem o transporte alternativo por interesses das empresas de ônibus, não esquecem o preço da passagem. Por que o MAC espelha a imagem que queremos, como a chapinha da menina? Por que temos que impedir os trabalhadores ambulantes de vender na água sagrada, Icaraí? Por que nosso centro histórico está cada vez mais esquecido? Por que nossos cinemas fecham? Por que nossos resíduos vão para um lixão já datado e nossa conta de água e nosso IPTU só aumentam sem a menor justificativa?
Em que medida permitimos que essas coisas aconteçam? “Tupi or not tupi”, eis a questão: o que nos unifica nessa grande pedra rachada, Itapuca? O que nos faz água-escondidos? Contra o que estamos lidando?
Pois bem: contra quem explora o trabalho; contra quem polui os rios e mares; contra quem proíbe o trabalho; contra a inércia do hábito e dos costumes; contra quem sobretaxa os trabalhadores; contra os que impedem o direito de ir e vir; contra a especulação imobiliária e as autoridades que a protegem; contra os tabus e a superstição... Por fim, esse é um bom passo, para começarmos a percorrer nosso caminho: a reconstrução do público, do saber popular, do direito à moradia, ao trabalho e à educação. Portanto, o direito à cidade. Pois passos isolados não formam caminhos e, como há uma “pedra no caminho”, Niterói precisa trilhar o seu para que no futuro possa comemorar não só as obras de Niemeyer, mas seus sonhos.
Publicado no Jornal Esquerda n. 4, Dezembro de 2007